Dentre todas as preocupações trazidas pela suspensão das aulas presenciais, a continuidade do processo de alfabetização é um dos mais discutidos. Hoje, passados mais de 100 dias do início do isolamento social no país, é possível observar que o processo de aprendizagem encontrou meios de não parar. Escolas e educadores se reinventaram e superaram as dificuldades para seguir com o ensino no formato a distância. De modo geral, o papel da família no processo de aprendizagem se mostrou ainda mais essencial. Mas é possível realizar a alfabetização a distância?
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É impossível ignorar os efeitos negativos que a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) trouxe para a sociedade em escala global. Segundo especialistas, a pandemia vai mudar para sempre o modelo educacional mundial. Embora o ensino a distância tenha sido forçado a todos dentro do cenário, a discussão sobre a implantação dessa modalidade de ensino na educação básica não é recente.
No final de 2018, o Ministério da Educação (MEC) já havia homologado novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o ensino médio e o ensino remoto foi contemplado nessas validações. As DCNs permitem até 30% de carga horária de aula online para alunos do turno noturno, 20% para os alunos do período diurno e 80% para os estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Para os demais ciclos da educação básica, as interações sociais proporcionadas pelo ambiente escolar são consideradas fundamentais para o processo de aprendizagem. A discussão sobre a implantação das aulas online dividiu opiniões e acabaram não sendo aprovadas como parte do currículo escolar obrigatório.
Se por um lado o isolamento social reforçou a importância das interações sociais para o desenvolvimento das crianças, por outro, ele também mostrou que a educação a distância é possível.
O que é alfabetização?
O primeiro passo é esclarecer que existem muitas definições sobre o que é a alfabetização. Segundo a UNESCO,
“A alfabetização é um direito humano e as bases para a aprendizagem ao longo da vida. Capacita indivíduos, famílias e comunidades e melhora a sua qualidade de vida. Por causa de seu ‘efeito multiplicador’, a alfabetização ajuda a erradicar a pobreza, reduzir a mortalidade infantil, conter o crescimento populacional, a alcançar a igualdade de género e assegurar o desenvolvimento sustentável, a paz e a democracia.”
Em outras palavras, trata-se de um processo de aquisição de habilidades cognitivas básicas responsáveis por contribuir para o desenvolvimento socioeconômico da capacidade de conscientização social e da reflexão crítica como base de mudança pessoal e social. A alfabetização é peça fundamental para inserção da criança no contexto da aprendizagem. O processo pode ser dividido em quatro pilares essenciais: a aquisição de vocabulário; a compreensão; o conhecimento das letras do alfabeto; e a consciência fonológica.
Nesse sentido, de maneira bastante simples, é possível dizer que os primeiros estímulos a alfabetização ocorrem na interação entre pais e filhos. Por meio de diálogos do dia-a-dia, da contação de histórias e do relacionamento com os pares a criança domina a linguagem e aprende a nomear os objetos para se comunicar.
Em meio ao caos do isolamento social, as famílias se tornaram parte integrante do processo de aprendizagem. Pela primeira vez, os responsáveis puderam ver que a educação não acontece apenas dentro de uma sala de aula, mas ela passa pelas vivências da criança. Desse modo, a parceria entre família e escola é capaz de manter a continuidade das atividades pedagógicas, mesmo em momentos de crise.
Como realizar a alfabetização remotamente?
As crianças estão constantemente aprendendo e, evidentemente, o processo evolutivo dos pequenos não pararia com o isolamento social. Porém, quando a escola foi, literalmente, para dentro de casa, muitas famílias se sentiram responsáveis por assumir o papel de educador. Em seus esforços para garantir que as aulas a distância cheguem até os alunos, a gestão escolar deve reforçar o trabalho do professor.
Embora esteja do outro lado da tela, o corpo docente continua cumprindo seu papel como agente educar. Dessa forma, cabe aos pais e responsáveis acompanhar o aluno em sua jornada e garantir que ele tenha os recursos necessários para desempenhar os trabalhos pedagógicos propostos.
De acordo com Érica Mantovani, psicopedagoga e coordenadora pedagógica do do colégio Mater Dei, a alfabetização a distância é possível “quando você imagina que essa telinha é uma sala de aula. Os recursos tecnológicos que ela nos dá torna a sala de aula ainda mais atrativa para as crianças”. Ela conta que a equipe pedagógica do colégio estava bastante preocupada com o processo de alfabetização sendo realizado remotamente. Porém, o envolvimento das famílias, das crianças e dos professores fez com que o processo funcionasse.
“Nós fizemos todo o processo fonético e fonoaudiológico dos trabalhos de alfabetização fônica de modo online. Usamos algumas estratégias semelhantes com o da escola (presencial) e os resultados foram muito mais rápidos”, conta Mantovani. Ainda segundo a psicopedagoga, a escola redescobriu o papel da família no processo de aprendizagem.
Essa transformação na esfera educacional reforçou que a importância do cuidado, envolvimento e atenção dos agentes, seja dentro ou fora do ambiente escolar. A quarentena permitiu que a família olhasse mais atentamente para a educação de seus filhos e fortalecesse o vínculo com a escola.
Desafios da educação remota
Mesmo que a aprendizagem tenha encontrado caminhos para continuar, devemos ter consciência de que o ritmo não foi o que esperávamos para o ano letivo 2020. Sem dúvida, a transição do analógico para o digital foi conturbada. Porém, aprendemos que que o ensino remoto não pode ser conduzido da mesma forma que o presencial e conhecemos na prática todas as barreiras para a realização do modelo.
Se a educação não deve parar, a evolução dos seus processos também deve progredir sempre. A escola ocupa um papel fundamental no desenvolvimento dos cidadãos mas também tem responsabilidades a cumprir com as famílias. Cabe a escola também capacitar os pais e responsáveis sobre o seu papel dentro do processo de aprendizagem. O vínculo entre escola, alunos e família deve ser trabalhado e reforçado como um exercício diário.