O cumprimento do ano letivo 2020 ainda tem mais perguntas do que respostas. Por enquanto, as medidas governamentais somente dispensaram o cumprimento dos 200 dias efetivos de trabalho escolar mas mantiveram a carga horária mínima anual de 800 horas. Embora a carga horária possa ser cumprida de modo não presencial, o credenciamento dessas aulas a distância não tem diretrizes. Nesse cenário, professores e famílias se preocupam com fechamento da ano letivo 2020 e com a avaliação da aprendizagem do período.
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A grande maioria das escolas brasileiras não completou dois meses do calendário letivo 2020 antes da suspensão das aulas presenciais. Apesar dos esforços em manter a educação avançando, é evidente que ritmo de aprendizagem não foi nada parecido com aquele planejado no começo do ano. Contribuíram para isso a falta de internet, o acesso às plataformas online exclusivamente via celular, a falta de um ambiente tranquilo para realização das atividade e, principalmente, a pressão emocional trazida pela pandemia.
Com a chegada do segundo semestre do ano, a preocupação agora é encontrar soluções para garantir que os alunos aprenderão o conteúdo e habilidades necessárias. Uma vez que o vírus avança de maneira diferente nos estados brasileiros, fica evidente que o retorno das atividades escolares não acontecerá de maneira homogênea. Cada secretaria estadual tem trabalhado em seu calendário de retorno às aulas presenciais mas, no âmbito nacional, ainda não é certo se haverá aprovação ou reprovação para todos os alunos. Educadores e coordenadores pedagógicos terão mais um desafio a cumprir em um curto período de tempo.
Como a BNCC pode contribuir para o fechamento do ano letivo 2020
Observando a experiência de outros países que já controlaram a pandemia, é possível notar que muitos deles eliminaram o uso de provas como recurso avaliativo para este ano letivo. A avaliação dos alunos será feita por meio de trabalhos e atividades. Países como Espanha e Itália, assim como a cidade de Nova Iorque, adotaram a medida visando diminuir a pressão sobre os estudantes.
Além disso, esse tipo de avaliação oferece uma cobrança mais justa em relação às aulas e conteúdos oferecidos até o momento. Vale ressaltar que os países do hemisfério norte possuem um ano letivo que se inicia em setembro. Isso significa que eles estão trabalhando na conclusão do ano letivo 2019/2020 e se preparando para o início do ano letivo 2020/2021.
Por outro lado, a realidade do Brasil se difere desses países porque o ínicio do ano escolar é que foi comprometido pela pandemia. Nesse sentido, a Nota Técnica nº 17/2020 da CNM (Confederação Nacional dos Municípios) segure que a reposição do ano letivo 2020 seja feita até 2021. Entretanto, mesmo que se faça uso dos sábados, contraturnos e férias prolongadas para reposição das aulas, o tempo hábil para realização de todas as atividades necessárias se mostra insuficiente.
Umas das soluções apontadas por especialistas para minimizar os impactos na aprendizagem das crianças é priorizar o ensino de competência. Durante um evento online promovido por Porvir, CLOE e Movimento pela Base, o pesquisador francês especialista em educação global e fundador do Center for Curriculum Redesign, da Universidade de Harvard (EUA), Charles Fadel, afirmou que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é um documento importante para nortear um ensino voltado para competências.
Habilidades socioemocionais
Segundo Fadel, já faz um tempo que cada vez mais conteúdo tem sido adicionado no currículo das escolas, sem eliminar o que já estava proposto antes. Desse modo, faz parte da rotina dos professores selecionar apenas alguns conteúdos a serem contemplados. Em geral, essa escolha é guiada pelos assuntos cobrados nos exames finais. “Mesmo sem tudo isso, já sabíamos que o currículo estava sobrecarregado. Os professores tinham muito mais a cobrir do que tinham tempo. Esse tem sido um problema em todo o mundo”, afirma Fadel.
Desse modo, a pandemia reforçou problemas já existentes nos sistemas de ensino, evidenciando a necessidade de reflexão e reformulação dos modelos educacionais existentes. O modelo de ensino a distância aplicado na educação básica também evidenciou a falta de habilidade básicas para a aprendizagem formal, como a autonomia, o senso de responsabilidade, a paciência e concentração.
Para o pesquisador, “se você pensar quais são as coisas mais importantes em razão da crise, claramente são competências como coragem e resiliência, que normalmente são subestimadas”. Além disso, é importante observar que as competências socioemocionais são desenvolvidas ao longo do tempo e não de um dia para o outro. “Infelizmente, leva tempo para desenvolver essas competências. Você não pode simplesmente apertar um interruptor e dizer: ok, ligue e agora você é corajoso. É uma prática para ser desenvolvida ao longo da vida”, completa Fadel.
Usando a BNCC para reorganizar o currículo do ano letivo 2020
O momento de crise trazido pela pandemia pede um olhar mais voltado para as vivências e a complexidade da realidade de cada um. O currículo escolar não pode deixar de considerar os medos que muitos estudantes têm sentido por conta de avós, pais, amigos e familiares doentes. Neste momento, é preciso valorizar o desenvolvimento de competências, especialmente as socioemocionais ligadas a forma como os indivíduos se relacionam uns com os outros. O isolamenteo social causou uma ruptura de rotinas e relacionamentos que não deve ser ignorada.
Nesse sentido, ter um documento como a BNCC para direcionar o conjunto de conhecimentos e habilidades que cada estudante deve aprender na educação básica é uma vantagem a ser usada pelos educadores. O instrumento deverá ser usado para elaboração de um planejamento coerente e para diagnóstico da aprendizagem dos estudantes até o momento. Uma vez que as defasagens forem identificadas, é preciso garantir que os alunos tenham recursos como o reforço escolar para garantia dos direitos de aprendizagem.
Para orientar professores e coordenadores pedagógicos durante a priorização de conteúdos na volta às aulas, o Itaú Social e o Instituto Reúna desenvolveram os Mapas de Foco da BNCC. A ferramenta está disponível gratuitamente e auxilia na definição das aprendizagens e habilidades prioritárias para o avanço dos alunos em um cenário de flexibilização curricular.
Além disso, os mapas também explicitam relações possíveis entre competências específicas de área, com foco nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental. O material está dividio em por áreas: Ciências da Natureza; Ciências Humanas; Matemática; e Linguagens.
O parecer do CNE
Seguindo essa mesma linha, o Parecer 11/2020 do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE), recomenda que as soluções encontradas, no âmbito das autonomias dos estados e municípios, considerem o desenvolvimento das competências e habilidades da BNCC no replanejamento curricular de 2020-2021.
O texto também reforça atenção especial às ações de recuperação das aprendizagens e processos avaliativos que resgatem a confiança dos estudantes no sucesso dos seus percursos escolares futuros. “É desejável grande esforço de todos os atores envolvidos com a educação local e nacional na articulação de ações para mitigar os efeitos da pandemia no processo de aprendizagem, evitando o aumento da reprovação e da evasão que poderão ampliar as desigualdades educacionais existentes”, diz um trecho do Parecer.
O documento foi aprovado pelo CNE no dia 7 de julho e aguarda homologação do MEC.